segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Mulheres Profetisas no Antigo Testamento


Saudações amigos. Segue um trecho de minha pesquisa na área de Ciências da Religião sobre as mulheres profetizas. Além de ampliar o conhecimento sobre o contexto do cenário, pode gerar algumas ideias para personagens:




Mulheres profetisas
            Se por um lado o status de profeta era naturalmente percebido e concedido ao gênero feminino, por outro os textos do Primeiro Testamento nos dão poucas informações sobre a organização e vida religiosa das mulheres dotadas do carisma profético[i]. Hulda (2 Rs 22: 14-20), esposa e um funcionário real em Jerusalém[ii], é uma profetisa importante para a narrativa deuteronomista (RÖMER, 2008, p. 56,57), mas nada se diz sobre sua vivência ou experiências místicas.
            Talvez o caso mais emblemático de profetisas no Primeiro Testamento seja o de Débora, não apenas pela narrativa mais detalhada, mas também pelo seu papel como líder, inclusive no campo de batalha. Segundo os textos, ela atuou ao lado de um comandante chamado Baraque, sendo consultada numa região cujas palmeiras receberam seu nome em homenagem (Jz 4.4-9). Devemos salientar, contudo, que narrativa dos Juízes (na qual Débora é descrita) em sua estrutura cíclica é construção posterior a partir de relatos lendários sobre heróis do norte [iii]. Neste sentido, o fato da memória de uma heroína profetisa (incluindo ai o local sagrado que recebe seu nome) ser preservada expressa que mulheres no papel de vaticinadoras carismáticas não eram algo estranho aos hebreus (cf. SMITH, 2006, p. 48.51).
            Em seus poderes divinatórios, esta personagem previu a vitória dos hebreus na batalha e a morte do general inimigo pelas mãos de outra mulher (Jz 4:6-9). Contemplou também o próprio Javé levantar-se da montanha de Seir e caminhar pelo campo de Edom, indo à frente do exército hebreu (Jz 4.14), fazendo chover (Jz 5.4). Dá-se a entender que Javé e sua conseqüente chuva foram conjurados por Débora, ao levantar-se em Israel “como mãe” (Jz.5.7). Se considerarmos esta hipótese, temos um relato bem interessante e incomum ao que normalmente se pensa sobre os profetas: a figura de uma mulher mística, que vivia entre árvores num espaço sagrado formado por palmeiras no topo de uma monte[iv] e cujo poder permitiria conjurar a divindade na forma de tempestade para vencer uma batalha[v].
            Entretanto, a figura da mulher que atuava espaços sagrados ermos como vidente, vista como detentora de grandiosos poderes, seria amplamente combatida com as reformas empreendidas pelos reis (notoriamente Josias), que procuraram extirpar os santuários ao céu aberto e as práticas religiosas que se faziam nestes locais (cf. LOWERY 2004, e RÖMER 2008). Por outro lado, o relato de Débora é emblemático: antes daquelas reformas, tal figura era comum e tida como legítima em Israel, sendo preservação da memória acerca da personagem um indicativo de sua sobrevivência (SMITH, 2006, p. 48.51).
Além disso, práticas mágicas também estavam presentes entre as profetisas do período monárquico. O livro de Ezequiel expressa uma dura crítica aos encantamentos utilizados por elas, nos quais faziam travesseiros e véus para “caçar” e “prender” almas em troca de pagamento (Ez. 13: 17-21). Eliade (1992, p.108) classifica este tipo de prática como “magia dos nós”, onde se tecem laços mágicos capazes de controlar o bem ou o mal sobre alguém. Para que um grupo específico, neste caso, os discípulos que se formaram em torno da figura de Ezequiel (cf. SICRE, 1990 p. 512), manifeste-se contra esta prática, ela certamente era normativa dentro daquele contexto. A mágica dos véus e travesseiros era, portanto, comum e conhecida.
Observa-se desta forma que, apesar dos poucos dados oferecidos pelas Escrituras, parece claro, pelos relatos de Hulda e Débora, que o carisma profético era encontrado e aceito também entre as mulheres na sociedade do Israel antigo. O título de profetisa é atribuído a estas personagens sem nenhuma inibição (cf. LIMA, 2012, p. 60,61), e a mesma naturalidade é percebida quando Isaias refere-se a uma delas (Is 8:3). A crítica do livro de Ezequiel também não se direciona ao fato de mulheres serem profetisas, mas por profetizarem “de seu coração” (ou seja, não eram as palavras da divindade, mas delas mesmas), e para as práticas de magia popular, utilizadas troca de algum tipo de pagamento.
Contudo, infelizmente não é possível saber, a partir da narrativa bíblica, como as profetisas se organizavam em torno de seu carisma, se é que o faziam. Mercedes García Bachmann argumenta a favor da participação de feminina nas guildas de profetas (que veremos mais adiante), baseada nos relatos das esposas daqueles personagens (descritas em 2 Reis 2), e até mesmo de guildas exclusivas de mulheres profetisas devido ao relato de Ezequiel 13 (cf. BACHMANN, 2013, p. 171-174). Entretanto, estas afirmações carecem de bases mais firmes de sustentação, posto que os textos não deixam claro nenhum tipo de organização específica acerca destas mulheres.

Notas


[i] Num sentido mais amplo, esta dificuldade se estende para o estudo da mulher como um todo neste corpo documental. Para uma discussão introdutória quanto a este problema, Cf. BACHMANN, 2013, p.17-23.
[ii] O texto não revela se Hulda também era funcionária do Palácio Real, apenas que seu marido era “guarda das vestiduras”. De qualquer forma, isto seria verossímil, posto que mulheres eram encontradas em várias funções no serviço ao rei. Por outro lado, sendo a maior parte destes funcionários servos do monarca (cf. BACHMANN, 2013, p.104-106), esta possibilidade se estende à personagem em questão: neste caso, a profetiza seria uma personagem com acesso a corte e seus bastidores, ao mesmo tempo em que também seria uma escrava.
[iii] Segundo Thomas Römer, o Livro de Juízes é uma compilação de relatos heróicos das tribos do Norte, que foram amarrados e organizados cronologicamente após o fim da monarquia, a fim de conceder uma linearidade na História de Israel onde Javé salva seu povo quando este cumpre seus desígnios. (RÖMER, 2008, p. 94 e 137).
[iv] É importante salientar, que Javé, como outras divindades, era representado por imagens em espaços sagrados (cf. ELIADE, 1992) chamados de lugares altos e até mesmo em Jerusalém, através de cultos sincréticos (LOWERY 2004, p.177,178). Somente durante o período neobabilônico que as condenações às representações imagéticas dEle foram definidas na forma como conhecemos (cf. RÖMER 2008, p.130). Além disso, não é ilógico supor que as Palmeiras de Débora foram ou se tornaram um destes espaços sagrados, possivelmente devido à tradição gerada pela mítica personagem.
[v] Note-se que o nome Baraque tem o significado de relâmpago. Flavio Josefo, em Antiguidades Judaicas (Livro 5, cap 6) diz que a ajuda de Javé foi obtida pela oração de Débora, e que, no dia da batalha, uma forte chuva de granizo caiu sobre os inimigos, impedindo-os de usar suas flechas e fundas. Este relato de Josefo parece confirmar que a leitura que a tradição judaica fazia desta passagem era semelhante a hipótese aqui apresentada

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