Saudações amigos. Segue um trecho de minha pesquisa na área de Ciências da Religião sobre as mulheres profetizas. Além de ampliar o conhecimento sobre o contexto do cenário, pode gerar algumas ideias para personagens:
Mulheres
profetisas
Se por um lado o
status de profeta era naturalmente percebido e concedido ao gênero feminino,
por outro os textos do Primeiro Testamento nos dão poucas informações sobre a
organização e vida religiosa das mulheres dotadas do carisma profético[i].
Hulda (2 Rs 22: 14-20), esposa e um funcionário real em Jerusalém[ii],
é uma profetisa importante para a narrativa deuteronomista (RÖMER, 2008, p.
56,57), mas nada se diz sobre sua vivência ou experiências místicas.
Talvez o caso mais emblemático de
profetisas no Primeiro Testamento seja o de Débora,
não apenas pela narrativa mais detalhada, mas também pelo seu papel como líder,
inclusive no campo de batalha. Segundo os textos, ela atuou ao lado de um
comandante chamado Baraque, sendo consultada numa região cujas palmeiras
receberam seu nome em homenagem (Jz 4.4-9). Devemos salientar, contudo, que
narrativa dos Juízes (na qual Débora é descrita) em sua estrutura cíclica é
construção posterior a partir de relatos lendários sobre heróis do norte [iii].
Neste sentido, o fato da memória de uma heroína profetisa (incluindo ai o local
sagrado que recebe seu nome) ser preservada expressa que mulheres no papel de
vaticinadoras carismáticas não eram algo estranho aos hebreus (cf. SMITH, 2006,
p. 48.51).
Em seus poderes divinatórios, esta
personagem previu a vitória dos hebreus na batalha e a morte do general inimigo
pelas mãos de outra mulher (Jz 4:6-9). Contemplou também o próprio Javé levantar-se
da montanha de Seir e caminhar pelo campo de Edom, indo à frente do exército
hebreu (Jz 4.14), fazendo chover (Jz 5.4). Dá-se a entender que Javé e sua
conseqüente chuva foram conjurados por Débora, ao levantar-se em Israel “como
mãe” (Jz.5.7). Se considerarmos esta hipótese, temos um relato bem interessante
e incomum ao que normalmente se pensa sobre os profetas: a figura de uma mulher
mística, que vivia entre árvores num espaço sagrado formado por palmeiras no
topo de uma monte[iv] e
cujo poder permitiria conjurar a divindade na forma de tempestade para vencer
uma batalha[v].
Entretanto, a figura da mulher que
atuava espaços sagrados ermos como vidente, vista como detentora de grandiosos
poderes, seria amplamente combatida com as reformas empreendidas pelos reis
(notoriamente Josias), que procuraram extirpar os santuários ao céu aberto e as
práticas religiosas que se faziam nestes locais (cf. LOWERY 2004, e RÖMER
2008). Por outro lado, o relato de Débora é emblemático: antes daquelas
reformas, tal figura era comum e tida como legítima em Israel, sendo
preservação da memória acerca da personagem um indicativo de sua sobrevivência (SMITH,
2006, p. 48.51).
Além disso, práticas mágicas também estavam
presentes entre as profetisas do período monárquico. O livro de Ezequiel
expressa uma dura crítica aos encantamentos utilizados por elas, nos quais
faziam travesseiros e véus para “caçar” e “prender” almas em troca de pagamento
(Ez. 13: 17-21). Eliade (1992, p.108) classifica este tipo de prática como
“magia dos nós”, onde se tecem laços mágicos capazes de controlar o bem ou o
mal sobre alguém. Para que um grupo específico, neste caso, os discípulos que se
formaram em torno da figura de Ezequiel (cf. SICRE, 1990 p. 512), manifeste-se
contra esta prática, ela certamente era normativa dentro daquele contexto. A
mágica dos véus e travesseiros era, portanto, comum e conhecida.
Observa-se desta forma que, apesar dos poucos
dados oferecidos pelas Escrituras, parece claro, pelos relatos de Hulda e
Débora, que o carisma profético era encontrado e aceito também entre as mulheres
na sociedade do Israel antigo. O título de profetisa é atribuído a estas
personagens sem nenhuma inibição (cf. LIMA, 2012, p. 60,61), e a mesma
naturalidade é percebida quando Isaias refere-se a uma delas (Is 8:3). A
crítica do livro de Ezequiel também não se direciona ao fato de mulheres serem
profetisas, mas por profetizarem “de seu coração” (ou seja, não eram as
palavras da divindade, mas delas mesmas), e para as práticas de magia popular, utilizadas
troca de algum tipo de pagamento.
Contudo, infelizmente não é possível saber, a
partir da narrativa bíblica, como as profetisas se organizavam em torno de seu carisma,
se é que o faziam. Mercedes García Bachmann argumenta a favor da participação
de feminina nas guildas de profetas (que veremos mais adiante), baseada nos
relatos das esposas daqueles personagens (descritas em 2 Reis 2), e até mesmo
de guildas exclusivas de mulheres profetisas devido ao relato de Ezequiel 13
(cf. BACHMANN, 2013, p. 171-174). Entretanto, estas afirmações carecem de bases
mais firmes de sustentação, posto que os textos não deixam claro nenhum tipo de
organização específica acerca destas mulheres.
Notas
[i] Num sentido mais amplo, esta dificuldade se
estende para o estudo da mulher como um todo neste corpo documental. Para uma
discussão introdutória quanto a este problema, Cf. BACHMANN, 2013, p.17-23.
[ii] O texto não revela se Hulda também era
funcionária do Palácio Real, apenas que seu marido era “guarda das vestiduras”.
De qualquer forma, isto seria verossímil, posto que mulheres eram encontradas
em várias funções no serviço ao rei. Por outro lado, sendo a maior parte destes
funcionários servos do monarca (cf. BACHMANN, 2013, p.104-106), esta
possibilidade se estende à personagem em questão: neste caso, a profetiza seria
uma personagem com acesso a corte e seus bastidores, ao mesmo tempo em que
também seria uma escrava.
[iii]
Segundo Thomas Römer, o Livro de Juízes é uma
compilação de relatos heróicos das tribos do Norte, que foram amarrados e
organizados cronologicamente após o fim da monarquia, a fim de conceder uma
linearidade na História de Israel onde Javé salva seu povo quando este cumpre
seus desígnios. (RÖMER, 2008, p. 94 e 137).
[iv] É importante salientar, que Javé, como outras
divindades, era representado por imagens em espaços sagrados (cf. ELIADE, 1992)
chamados de lugares altos e até mesmo
em Jerusalém, através de cultos sincréticos
(LOWERY 2004, p.177,178). Somente durante o período neobabilônico que as
condenações às representações imagéticas dEle foram definidas na forma como
conhecemos (cf. RÖMER 2008, p.130). Além disso, não é ilógico supor que as Palmeiras de Débora foram ou se tornaram
um destes espaços sagrados, possivelmente devido à tradição gerada pela mítica
personagem.
[v] Note-se que o nome Baraque tem o significado de relâmpago.
Flavio Josefo, em Antiguidades Judaicas (Livro 5, cap 6) diz que a ajuda de
Javé foi obtida pela oração de Débora, e que, no dia da batalha, uma forte
chuva de granizo caiu sobre os inimigos, impedindo-os de usar suas flechas e
fundas. Este relato de Josefo parece confirmar que a leitura que a tradição
judaica fazia desta passagem era semelhante a hipótese aqui apresentada
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