sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Regras de Impureza



 A todo tempo sejam alvas as suas vestes e não falte óleo sobre sua cabeça.
(Eclesiastes 9:8)
               
Mais do que transgressão, esta palavra no original em hebraico remete a vazio, ausência. No antigo Oriente Próximo, os deuses eram extremamente exigentes, tanto nas regras de culto para agradá-los como nas normas morais estabelecidas para os homens. Dentre todos os deuses, o Deus de Israel, criador do universo, é, sem duvida, o mais rigoroso e exigente.
As analogias sobre a impureza giram em torno de decadência, imoralidade e, sobretudo, pecado. Hebreus e estrangeiros, grandes e pequenos, ricos e pobres, todos estão constantemente sujeitos a esta mácula maldita, que, adquirida após o ato de desobediência de Adão e Eva no Éden, escravizou o homem até (segundo os Cristãos crêem) o sacrifício perfeito de Jesus Cristo na Cruz.
Um dos elementos mais impactantes de Agada RPG está ligado à questão da impureza, do pecado e a redenção diante de Deus. O Narrador deve nutrir discernimento e sabedoria ao aplicar estas regras. Já os jogadores devem ter consciência de que, neste cenário, seus atos repercutem muito além dos resultados nos dados.

Sistema
                Basicamente, toda vez que um personagem age de, nos termos da Lei de Moisés, de forma torpe, imoral, blasfemadora ou cruel, recebe 1 Ponto de Impureza. O Narrador deve manter uma anotação rigorosa deste acumulo, e não tem obrigação nenhuma de revelar aos jogadores o quanto seus personagens estão impuros, embora alguns poderes místicos possam permitir esta descoberta.
Este sistema pode não ser tão simples quanto aparenta, entretanto. A Torah (uma das maneiras de chamar as Escrituras Hebraicas) é longa e complexa, e, a não ser que os jogadores sejam pessoas inseridas profundamente na belíssima religião judaica, a exagerada preocupação com ela pode transformar momentos divertidos em agressivos exercícios de religiosidade sem sentido. Por isso, a não ser que o Narrador seja um grande estudioso do assunto, use como regra geral os parâmetros a seguir:
·         Blasfêmia
·         Assassinato* (culposo ou doloso, veja abaixo)
·         Roubo
·         Adultério
·         Mentira
·         Falso Testemunho (jurar ou apresentar-se num tribunal e mentir, condenando um inocente).
·         Trabalhar no sábado ou os dias santos (no caso de personagens hebreus).
·         Pratica de Ritual pagão (no caso de personagens hebreus).
·         Profanação (roubar do tesouro de Deus, que serve aos pobres e viúvas, comer das ofertas de animais e cereais, por as mãos em objetos sagrados sem ser sacerdote, etc.).
·         Opressão do fraco (viúvas, órfãos, estrangeiros, deficientes, etc.)
Observe que o assassinato é diferente de punições e guerras. Um guarda que mata um criminoso que iria atacar uma princesa, ou um soldado na guerra não se torna Impuro. De forma semelhante, um ladrão ou assassino capturado e punido de acordo com a Lei Mosaica não gera impureza alguma: a passagem que diz “Não Matarás!” se refere ao assassinato, não a guerra ou ao poder Executivo conferido a uma comunidade para punir seus criminosos. Mas, caso deseje, o Narrador pode aplicar atenuantes e agravantes. Um assassinato, por exemplo, pode conceder mais 1 ponto de Contaminação se foi cruel ou sem motivo, e talvez 2 se foi através de atos hediondos ou pessoas frágeis.

Aplicando Pontos de Contaminação

O salário do pecado é a morte.
(Romanos 6:23)

Esta carga de impureza espiritual cobra seu preço. A tendência é que coisas ruins aconteçam na vida daqueles que estão mergulhados numa imundície espiritual que eles mesmos buscaram para si.
Cada 10 pontos de Impureza equivalem a 1 Ponto de Desvantagem ou de Poder na forma do efeito de uma Magia sobre o personagem Contaminado. O Narrador decidirá qual Desvantagem ou efeito o personagem sofrerá, de acordo com os atos praticados em sua vida. Por exemplo, o alvo da Impureza pode receber uma Desvantagem Maneta, ficando com uma das mãos inútil, ou sofrer os efeitos de uma praga sobre seu pasto. Outras opções são redutores em Testas ou perdas de Características de valor adequado (cuidadosamente explicadas no contexto da história, claro).
                No começo de cada sessão de jogo, o Narrador lança 1d6. Os efeitos da Impureza se manifestam caso o resultado seja igual 5 ou 6.
                É possível, através de algumas Magias (a serem publicadas noutras postagens), reverter os efeitos da Impureza (por exemplo, Fertilidade, Cura, Purificação etc.). Todavia, se ao lançar o dado de seis lados o resultado foi um 5, este efeito só poderá ser revertido com uma Expiação, pois configura-se em um juízo direto de Deus.

Considerações
                As Regras sobre Impureza são ferramenta dramática para trazer aos jogadores a real noção de um cenário ligado às Escrituras. Elas não estão aqui para mostrar um Deus castigador, nem para estimular intolerância religiosa. Até porque, a Impureza atinge a todos os personagens, sobretudo os Hebreus e inclusive atrapalhando muito mais aos Profetas do que qualquer outro tipo de personagem (veja mais adiante). Sua função é, durante a narrativa das histórias, lembrar o quanto nós somos responsáveis por quase tudo que vivemos e sofremos, e que temos que arcar com as conseqüências de nossos erros e escolhas. É, também, colocar os jogadores no lugar daqueles homens que escreveram a Bíblia e que viviam naqueles tempos.
Mesmo que você e seus jogadores não acreditem no cristianismo ou no judaísmo, ou os vejam de outra forma, é importante saber que as pessoas daquela época viam e criam nas coisas mais ou menos desta forma, e esta mecânica torna o cenário bem mais autêntico e vívido. Mais que isso, o tema deste jogo é a Justiça, Compaixão e o Amor, e esta mecânica realça e valoriza estes nobres sentimentos.
                Por isso, jamais permita que momentos de diversão e reflexão se tornem momentos de terror psicológico, doutrina de pecado e religiosidade. Use estas regras com sabedoria, quando forem divertidas e dramáticas, e jamais como instrumentos de punição ou mesmo de demonstração “do quanto Deus é fogo consumidor”. Isto aqui é diversão, é RPG!. Você e seus amigos não querem e não precisam disto. E nós, autores, não apoiamos este tipo de atitude, muito menos em momentos de lazer.
                De forma semelhante, jamais cerceie a liberdade dos jogadores. Se eles querem interpretar personagens que se desviam ou ignoram estas condutas, simplesmente deixe as coisas acontecerem e não faça destas regras uma camisa de força para os personagens “andarem na linha”. Entretanto, ainda assim jamais deixe de aplicá-las: por mais que tenham liberdade, os jogadores deverão sentir, através de seus personagens, que seus atos sempre têm conseqüências, pois esta é a temática principal de Agadá RPG.
                Por fim, é necessário impedir que um preconceito se estabeleça: nem tudo de ruim que acontecer em suas Campanhas tem de ser fruto da Impureza. Além disso, Criaturas malignas são um constante estorvo para a humanidade no Antigo Oriente Próximo. Tome como exemplo o livro de Jó e não caia no erro de considerar que tudo de ruim que acontece é fruto de pecado e iniqüidade.

Contaminação e os Profetas

            Os Profetas do Deus hebreu (não de outras divindades), são particularmente vulneráveis a Impureza. Simplesmente o número de pontos de Impureza que um Profeta tiver reduz o número de pontos de Poder que ele pode acumular. Desta forma, se um Profeta tem 2 Pontos de Contaminação, ele subtrai estes 2 pontos da Energia espiritual que acumule, não importa de onde ela venha. O mesmo vale para os Sacerdotes Levitas.

2 comentários:

  1. Creio que esta parte final de que os profetas de D´s são particularmente vulneráveis a Impureza ruim. Todos os deuses da antiguidade seriam exigentes de seus profetas, logo, ação "impura" na visão da deidade daquele povo também geraria problemas.

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    1. Entendo e respeito seu ponto e vista, caro Nikiforos. Todavia, Agada RPG tem como foco a mitologia hebraica, onde Deus nutre uma relação especial e ao mesmo tempo mais exigente com os seus escolhidos em comparação aos outros deuses. E, mesmo se focássemos num sentido antropológico (que não é a proposta), a exigência dos demais deuses é a mesma no tocante aos sacerdotes. Autores como Maria de Lourdes Lima, José Luis Sicre e outros demonstram, através de estudos comparativos, que o fenômeno da profecia não tem a mesma importância noutros povos do Antigo Oriente Próximo. De qualquer forma, obrigado pela participação. Abraço.

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